- Então o que vai ser? - salvo pelo empregado de mesa. Não aguentaria mais tempo a limpar os talheres e a certificar-me que o vinco do guardanapo está rigorosamente bem vincado.
- Para mim pode ser tripas.
- Para mim também - Cabrão se pedias Escabeche, fodias-me. Pensei eu enquanto entregava a lista ao empregado.
- Olh..., olh..., olh..., olha agora, olha agora,olha agora!
- Aonde, aonde, aonde! - Disse eu, sem sequer mexer a cabeça. Tentando desesperadamente chegar-lhe só com os olhos que, infelizmente não rodam como os dos camaleões.
- Vira-te caralho! atrás de ti agora! olh...olh..olh...- O Produtor conteve-se, e sussurrou por entre os dentes e depois acrescentou - És paneleiro?!
- Não. - disse eu, mas mesmo a mim este «não» pareceu-me meio apanascado.
- Então porquê que não olhaste?
- Olhar assim de repente era muito descarado. É mais fácil para o Sr. que está de frente.
- Queres trocar?
- Não, deixe estar.
- Troca caralho!! - que gajo mais fodido este, pensei eu já de pé e a trocar de lugar com ele. Se este cabrão agora pedir Escabeche de Figado, eu de certeza também como. E eu detesto Figado.
- Olha a tetinha desta agora.
- Qual? a da esquerda?
- A da direita caralho! a da esquerda tem idade para ser mãe dela!
- Não é assim tão velha...- Ainda não tinha acabado de falar e já sentia os seus olhos inquisidores, o que me obrigou a dizer algo de seguida sem pensar -Eu gosto delas maduras...- e fiz um sorriso imbecil, como que soubesse do que estava a falar.
- Pois...- acrescentou ele secamente.
Só espero que este palhaço não me venha falar de futebol. Aí é que eu estou fodido. Sem saber falar de gajas nem de futebol, passo perfeitamente por um paneleirote aos olhos deste imbecil.
- Então o que vai ser? - salvo pelo empregado de mesa. Não aguentaria mais tempo a limpar os talheres e a certificar-me que o vinco do guardanapo está rigorosamente bem vincado.
- Para mim pode ser tripas.
- Para mim também - Cabrão se pedias Escabeche, fodias-me. Pensei eu enquanto entregava a lista ao empregado.
- e para beber? -Perguntou o empregado olhando para mim. tenho que ser rápido e determinado.
- Vinho tinto da casa.
- Eu também. - O palhaço tinha que ser mais rápido que eu.
- Verde ou maduro?
- Verde.
- Maduro. - os dois ao mesmo tempo.
- É, pode ser verde para mim também.
- Tem a certeza? é que eu não bebo maduro. nunca.
- A mim dá-me igual.- Que rico lavrador que me saiu, pensei eu. Como é que lhe pode dar igual? verde é verde, maduro é maduro. Se este parolo não me sabe distinguir isto, como é que eu lhe vou conseguir explicar o que quero fazer? De repente senti-me um boi.
- Sabe, eu até prefiro cerveja. Não sou grande apreciador de vinho.
- Eu não. Fui criado com os meus avós que timham uma quinta. Sempre bebi vinho desde muito novo, e como sabe, no Minho só há vinho Verde. - E pronto, comecei a mentir com quantos dentes tenho. - Infelizmente, tivemos que vender a quinta. Os meus avós já não têm vida para aquilo e nem os meus pais, nem os meus tios podiam continuar. Mas deixa-me muitas saudades...- pronto, estou a perder o controlo. o máximo que alguma vez fiz, foi roubar uvas que estavam a face da estrada. E coitados dos meus avós, que Deus os tenha! - Sabe, aquela vida dura, enrijeceu-me, fez de mim um homem.
- Pois acredito, eu sempre fui um homem da cidade. Os meus pais eram os dois de Lisboa, e os meus avós por parte do meu pai vieram muito cedo
trabalhar para Lisboa. Só os pais da minha mãe é que eram da Beira Alta, mas morreram muito cedo, nem me lembro se alguma vez os vi.
Ganhei de novo a confiança deste paspalho, agora já pudemos falar de trabalho, que é para isto que aqui estamos. Para ser sincero não tenho o menor prazer de falar com este imbecil.
- Sr. Paulo, repare agora nas tetas daquela cabra que vem lá ao fundo?- Estou ao rubro! o vinho verde faz milagres!
- Aonde, Aonde!!
- olh..olh..olh..lá ao fundo à esquerda, que tetona!
- Qual, qual? a de vermelho?
- Não caralho! a outra, a outra, a que está a entrar...olhe, pronto já não viu.
- Era aquela que tinha uns folhes na blusa?
- Ó sr. Paulo, acha que eu reparo nos folhes da blusa? - Pronto, passei de paneleirote a Macho Man.
- Não era só para...- meio encabulado.
- Ó sr.Paulo estava a brincar consigo. Então o que acha do argumento?
- Ah..não está mau, mas tem lá umas partes que eu não sei se percebi bem.
- Quais, sr. Paulo? - enquanto eu abria a minha pasta e sacava o argumento. Agora não te podes ir abaixo, bebe mais um copo de vinho.- Pensei para mim.
- Principalmente o final, não o acha um pouco ambiguo?
- O que quer dizer com «ambiguo»?
- Ambiguo caralho!! está assim meio...tipo como se não soubesses bem o que fazer...confuso caralho!!
O raio do estupor do homem, voltou às origens. Não valia a pena eu estar para ali armado em intlectualoide. Vou ter que ceder. No fundo, ele até tem uma certa razão.
- Sabe, sr. Paulo, a ideia era mesmo essa...- Que venha as tripas, que venhas as tripas, que venhas as tripas... - Pensei entretanto.
- Era essa o caralho! que eu já vos conheço de gingeira. Fica sempre tudo meio em aberto. Essa mania da ambiguidade é que me fode...
- Mas ó sr. Paulo, o que seria do David Lyn...
- Que se foda o David Lynch! voçês são todos iguais, vêem meia dúzia de filmes e é logo David Lynch e o caralho...esta merda não é os Estados Unidos.
Realmente ele tinha razão. Que raio me foi dar para falar no David Lynch! eu nem gosto do David Lynch...
- Ó sr. Paulo, não era David Lynch que eu queria dizer. Mas para o tipo de filme que eu quero fazer...
- Você não sabe o tipo de filme que quer fazer, olhe para isto!! - folheando o argumento com tal força que este se desmantelava todo. - Isto é um bocadinho daqui, um bocadinho dali, e depois é uma salgalhada dos diabos que ninguém se entende...Esta personagem do Victor aparece até meio e depois desaparece até ao fim sem explicação...porquê?
- Era mesmo essa a sensação que eu queria que o espectador ficasse...- que venham as tripas, que venham as tripas, que venham as tripas...
- ....- Limitou-se a olhar-me com aquele olhar de cão.
- e...- O que é que eu digo mais a este filho da puta? ele se quiser que corte o argumento todo, que ponha a prima dele a escrever o final, mas que me produza esta merda de uma vez por todas - ...sabe sr. Paulo, temos que ser mais flexiveis quanto à estrutura...
- Estrutura? mas isto não tem estrutura nenhuma?
- Sabe sr. Paulo, eu vejo o argumento como uma obra literária e não apenas como um guião técnico. - Pronto, fodi tudo...
- Olha, tu 'tas-me a sair um paneleiro do caralho! o que é que eu te pedi? Uma história simples de um casal... e depois acontecia-lhes qualquer coisa pelo meio...tipo um acidente...sei lá tu é que sabes, tu é que és os escritor...mas uma coisa simples...do género do...
- E porquê que não escreves tu meu grande Filho da Puta!, pensei para mim - Sabe sr. Paulo, eu só queria inovar um bocadinho...dar-lhe mais ênfase, percebe?
-Percebo o car...
- Ora aqui estão as tripinhas, com licença ....
Aboboreira
Há 12 anos